CAVANAGH, Allison. Sociology in the Age of Internet. Open University Press – McGraw-Hill
Education, 2007. (p. 120 - 131)
POR RODRIGO NEJM
Sobre a Autora:
Allison CAVANAGH é professora na área de Estudos em Comunicação na Universidade de Leeds, Inglaterra. Suas pesquisas estão ligadas às transformações sociais relacionadas às novas tecnologias de comunicação.
Objetivos: O capítulo introduz e examina teorias da cibercultura em torno da formação da identidade e aponta que há equivocadas tanto em termos epistemológicos quanto empíricos nestas abordagens pós-modernas. Partindo dos estudos de Sherry Turkle e de Mark Poster a autora faz análises da noção de subjetividade online vista em termos do projeto pós-moderno de auto-realização (self-realization), uma realização supostamente livre das limitações impostas pela ordem social off-line e que concebem o self como múltiplo, transitório e em constante desenvolvimento. Para a autora, ambas concepções (de Turkle e Poster) vêm a identidade como sinônimo de subjetividade e possuem uma rejeição à noção de self coerente prévio. Neste capítulo a autora desenvolve argumentos para sustentar 2 críticas a ambas abordagens: a primeira diz respeito à forma como estas abordagens se enquadram diante da realidade empírica da Internet. A segunda está relacionada à inconsistências teóricas e contradições epistemológicas nas leituras que estas abordagens pós-modernas fazem das identidades online.
Argumentação Central:
A autora inicia apontando alguns argumentos sobre a formação da identidade online pelo olhar e Sherry Turkle que se tornaram emblemáticos com os estudos baseados nos usuários dos MUD. Para Turkle, a “computação subjetiva” muda a forma como as pessoas pensam e o self online seria cada vez mais múltiplo, transitório e em constante processo desenvolvimento ao invés de um self individual estático. A segunda posição a ser analisada pela autora no capítulo é a de Mark Poster, autor que apesar de concordar com Turkle em alguns pontos, apresenta algumas diferenças em seus argumentos. Poster também compartilha da noção de identidade online como resultado do processo de construção online ao invés de conceber a uma identidade essencial pré-definida que “entra” na Internet e sobre os efeitos das relações no ciberespaço, mas, diferentemente do voluntarismo de Turkle, argumenta que o indivíduo é fruto das interações que ocorrem na linguagem e na ação. Em sua abordagem Poster destaca que as identidade não são construídas como atos de pura consciência.
Teoria da realidade: selfs pós-modernos online
A autora inicia fazendo uma objeção à concepção pós-moderna que aponta que a internet demanda ou causa a desconstrução do self, o tornando múltiplo. Cavanagh argumenta que os estudos de Turkle e de Poster foram baseados nas primeiras experiência dos MUDs e seus usuários, o que não poderia ser generalizado para os ambientes e características centrais da internet na atualidade. O perfil dos usuários e as formas de sociabilidade típicas dos MUDs não mais corresponderiam à realidade das redes sociais à dinâmica atual da internet que parece, segunda a autora, retomar a necessidade de identidades estáveis.
A necessidade de conquistar a confiança dos usuários em meio à tantas fraudes e potencial liberdade para as enganações mobilizou a parte comercial da internet na busca de respostas. Neste cenário a identidade pode ser vista como princípio central, a exemplo dos “sistemas de reputação” implementados pelos sites de compras online para garantir maior confiabilidade e que se tornaram usais em diferentes serviços na internet. Usando pesquisas de Resnick (2000), a autora argumenta como estes sistemas de reputação atuam tanto como meios de controle social quanto como poderosos incentivadores do desenvolvimento e manutenção de determinado tipo de identidade. Neste contexto, a necessidade de desenvolver uma reputação também produz ressonâncias nas comunidades online menos formais e condicionam o desenvolvimento de identidades mais coerentes.
Outro ponto destacado pela autora é o fato de que por mais que haja liberdade, os usuários produzem conteúdos e interagem com base em uma audiência, por mais dispersos que sejam os limites entre produtores e consumidores. Para conquistar e manter a audiência o self que apresentamos online precisa ser inteligível para esta audiência e exige certa coerência. Diferentemente do argumento de Turkle que apontava a fluidez das identidades online como fruto das conexões em rede estabelecidas nos diferentes grupos de interesse, Cavanagh argumenta que as evidências de pesquisas sobre dinâmicas de grupos sociais não sustentam as afirmações de Turkle.
Ao contrário do que supunha Turkle, as pesquisas apontam que a apresentação do self não segue a fluidez das associações online, mas sim as associações que seguem a apresentação do self. A autora destaca ainda como a internet tem se tornado um espaço para o voyeurismo, uma vez que exige-se cada vez maior exposição do self para conquistar a visibilidade e validação que podem manter e ampliar as audiências. Recuperando as críticas pós-modernas relativas ao culto às celebridades e à gradativa privatização do público e a publicização da vida privada, a autora aponta que a internet seria mais uma das tecnologias que alimenta e está amarrada ao processo de individualização típico do capitalismo tardio. A autora identifica aqui um conflito ao considerar que os teóricos pós-modernos apontam ao mesmo tempo para a realização do self como refúgio do mundo sem meta-narrativas e consideram o atual processo de publicização das vidas privadas como uma aniquilação do self a favor das demandas do capitalismo. Ela vê como inconsistente a argumentação que vê no mesmo processo um ponto de fuga e a aniquilação no self. Feita esta consideração, Cavanagh parte para a sua segunda crítica às concepções de identidade na visão da cibercultura, especificamente a incompatibilidade epistemológica.
A realidade da teoria
Considerando que as teorias na cibercultura consideram o self e a identidade como produtos da vida interna dos indivíduos, Cavanagh aponta críticas a estas derivações da psicanálise clássica que tem a realização do self como o objetivo final, realização sinônimo de autonomia e esclarecimento. A autora aponta que Turkle faz uma apropriação seletiva da noção de autonomia do self, invertendo a concepção psicanalítica original que prevê a autonomia do self como base para a criação de vínculos e estabelecimento de relações significativas entre os membros da comunidade.
Outro ponto questionado no texto diz respeito ao afastamento que tanto Turkle quanto Poster fazem das principais correntes teóricas relativas à concepção do self. Se os teóricos da cibercultura destacam a inovação de suas abordagens ao considerar a multiplicidade do self e a radical diferença entre o self e identidade on e off-line, a autora questiona esta inovação, primeiramente afirmando que a noção de multiplicidade do self carece de evidencia empírica e é sociologicamente duvidosa. Cavanagh cita a conhecida frase de Marx “a vida não é determinada pela consciência mas a consciência pela vida” (Marx and Engels 1970).
O segundo ponto questionado é a suposta descontinuidade radical entre a internet a realidade off-line. Recuperando as diferenciações sobre self e “apresentação do self” nas obras de Goffman a autora destaca a necessidade de percebermos estas diferenças tanto para entender as formas de apresentação do self na internet quanto para evitar equívocos nas interpretações sobre o gerenciamento de impressões na perspectiva de Goffman. Para Goffman a apresentação do self não seria voluntária como prevem os teóricos da cibercultura, mas as formas possíveis de apresentação do self, apesar de serem estrategicamente eleitas, são predominantemente determinadas pela ordem social. Nas interações online, inclusive, são as normas sociais prevalecem na configuração das interações sociais de maneira muito real e não simples jogos como indicado pelos teóricos da cibercultura. Ao sobrevalorizar os limites da moral, estes teóricos que rejeitam o self estável ignoram o caráter agregador das normas sociais.
Education, 2007. (p. 120 - 131)
POR RODRIGO NEJM
Sobre a Autora:
Allison CAVANAGH é professora na área de Estudos em Comunicação na Universidade de Leeds, Inglaterra. Suas pesquisas estão ligadas às transformações sociais relacionadas às novas tecnologias de comunicação.
Objetivos: O capítulo introduz e examina teorias da cibercultura em torno da formação da identidade e aponta que há equivocadas tanto em termos epistemológicos quanto empíricos nestas abordagens pós-modernas. Partindo dos estudos de Sherry Turkle e de Mark Poster a autora faz análises da noção de subjetividade online vista em termos do projeto pós-moderno de auto-realização (self-realization), uma realização supostamente livre das limitações impostas pela ordem social off-line e que concebem o self como múltiplo, transitório e em constante desenvolvimento. Para a autora, ambas concepções (de Turkle e Poster) vêm a identidade como sinônimo de subjetividade e possuem uma rejeição à noção de self coerente prévio. Neste capítulo a autora desenvolve argumentos para sustentar 2 críticas a ambas abordagens: a primeira diz respeito à forma como estas abordagens se enquadram diante da realidade empírica da Internet. A segunda está relacionada à inconsistências teóricas e contradições epistemológicas nas leituras que estas abordagens pós-modernas fazem das identidades online.
Argumentação Central:
A autora inicia apontando alguns argumentos sobre a formação da identidade online pelo olhar e Sherry Turkle que se tornaram emblemáticos com os estudos baseados nos usuários dos MUD. Para Turkle, a “computação subjetiva” muda a forma como as pessoas pensam e o self online seria cada vez mais múltiplo, transitório e em constante processo desenvolvimento ao invés de um self individual estático. A segunda posição a ser analisada pela autora no capítulo é a de Mark Poster, autor que apesar de concordar com Turkle em alguns pontos, apresenta algumas diferenças em seus argumentos. Poster também compartilha da noção de identidade online como resultado do processo de construção online ao invés de conceber a uma identidade essencial pré-definida que “entra” na Internet e sobre os efeitos das relações no ciberespaço, mas, diferentemente do voluntarismo de Turkle, argumenta que o indivíduo é fruto das interações que ocorrem na linguagem e na ação. Em sua abordagem Poster destaca que as identidade não são construídas como atos de pura consciência.
Teoria da realidade: selfs pós-modernos online
A autora inicia fazendo uma objeção à concepção pós-moderna que aponta que a internet demanda ou causa a desconstrução do self, o tornando múltiplo. Cavanagh argumenta que os estudos de Turkle e de Poster foram baseados nas primeiras experiência dos MUDs e seus usuários, o que não poderia ser generalizado para os ambientes e características centrais da internet na atualidade. O perfil dos usuários e as formas de sociabilidade típicas dos MUDs não mais corresponderiam à realidade das redes sociais à dinâmica atual da internet que parece, segunda a autora, retomar a necessidade de identidades estáveis.
A necessidade de conquistar a confiança dos usuários em meio à tantas fraudes e potencial liberdade para as enganações mobilizou a parte comercial da internet na busca de respostas. Neste cenário a identidade pode ser vista como princípio central, a exemplo dos “sistemas de reputação” implementados pelos sites de compras online para garantir maior confiabilidade e que se tornaram usais em diferentes serviços na internet. Usando pesquisas de Resnick (2000), a autora argumenta como estes sistemas de reputação atuam tanto como meios de controle social quanto como poderosos incentivadores do desenvolvimento e manutenção de determinado tipo de identidade. Neste contexto, a necessidade de desenvolver uma reputação também produz ressonâncias nas comunidades online menos formais e condicionam o desenvolvimento de identidades mais coerentes.
Outro ponto destacado pela autora é o fato de que por mais que haja liberdade, os usuários produzem conteúdos e interagem com base em uma audiência, por mais dispersos que sejam os limites entre produtores e consumidores. Para conquistar e manter a audiência o self que apresentamos online precisa ser inteligível para esta audiência e exige certa coerência. Diferentemente do argumento de Turkle que apontava a fluidez das identidades online como fruto das conexões em rede estabelecidas nos diferentes grupos de interesse, Cavanagh argumenta que as evidências de pesquisas sobre dinâmicas de grupos sociais não sustentam as afirmações de Turkle.
Ao contrário do que supunha Turkle, as pesquisas apontam que a apresentação do self não segue a fluidez das associações online, mas sim as associações que seguem a apresentação do self. A autora destaca ainda como a internet tem se tornado um espaço para o voyeurismo, uma vez que exige-se cada vez maior exposição do self para conquistar a visibilidade e validação que podem manter e ampliar as audiências. Recuperando as críticas pós-modernas relativas ao culto às celebridades e à gradativa privatização do público e a publicização da vida privada, a autora aponta que a internet seria mais uma das tecnologias que alimenta e está amarrada ao processo de individualização típico do capitalismo tardio. A autora identifica aqui um conflito ao considerar que os teóricos pós-modernos apontam ao mesmo tempo para a realização do self como refúgio do mundo sem meta-narrativas e consideram o atual processo de publicização das vidas privadas como uma aniquilação do self a favor das demandas do capitalismo. Ela vê como inconsistente a argumentação que vê no mesmo processo um ponto de fuga e a aniquilação no self. Feita esta consideração, Cavanagh parte para a sua segunda crítica às concepções de identidade na visão da cibercultura, especificamente a incompatibilidade epistemológica.
A realidade da teoria
Considerando que as teorias na cibercultura consideram o self e a identidade como produtos da vida interna dos indivíduos, Cavanagh aponta críticas a estas derivações da psicanálise clássica que tem a realização do self como o objetivo final, realização sinônimo de autonomia e esclarecimento. A autora aponta que Turkle faz uma apropriação seletiva da noção de autonomia do self, invertendo a concepção psicanalítica original que prevê a autonomia do self como base para a criação de vínculos e estabelecimento de relações significativas entre os membros da comunidade.
Outro ponto questionado no texto diz respeito ao afastamento que tanto Turkle quanto Poster fazem das principais correntes teóricas relativas à concepção do self. Se os teóricos da cibercultura destacam a inovação de suas abordagens ao considerar a multiplicidade do self e a radical diferença entre o self e identidade on e off-line, a autora questiona esta inovação, primeiramente afirmando que a noção de multiplicidade do self carece de evidencia empírica e é sociologicamente duvidosa. Cavanagh cita a conhecida frase de Marx “a vida não é determinada pela consciência mas a consciência pela vida” (Marx and Engels 1970).
O segundo ponto questionado é a suposta descontinuidade radical entre a internet a realidade off-line. Recuperando as diferenciações sobre self e “apresentação do self” nas obras de Goffman a autora destaca a necessidade de percebermos estas diferenças tanto para entender as formas de apresentação do self na internet quanto para evitar equívocos nas interpretações sobre o gerenciamento de impressões na perspectiva de Goffman. Para Goffman a apresentação do self não seria voluntária como prevem os teóricos da cibercultura, mas as formas possíveis de apresentação do self, apesar de serem estrategicamente eleitas, são predominantemente determinadas pela ordem social. Nas interações online, inclusive, são as normas sociais prevalecem na configuração das interações sociais de maneira muito real e não simples jogos como indicado pelos teóricos da cibercultura. Ao sobrevalorizar os limites da moral, estes teóricos que rejeitam o self estável ignoram o caráter agregador das normas sociais.
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