CAPITULO 1 - Sobre a preservação da fachada. Uma análise dos elementos rituais na interação social.
FICHAMENTO REALIZADO POR TERESA PAULA COSTA
Sobre o autor:
Erving Goffman, doutor em Sociologia e Antropologia pela Universidade de Chicago, tornou-se um dos estudiosos mais citados nas Ciências Sociais e Humanas nas últimas décadas. Dedicou-se especialmente ao estudo da interação social no dia-a-dia, com destaque ao comportamento em lugares públicos.
Argumentação Central:
Em cada encontro social tende-se ao desempenho de atos verbais e não verbais. O padrão destes é chamado de linha. Com ele se expressa opinião sobre a situação e a avaliação sobre si e os participantes do encontro.
A pessoa em interação reivindica para si um valor social através da linha. Isso define o termo fachada.
A fachada expressa uma imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados.
O contato com os outros permite a experimentação de uma resposta imediata à fachada. Os sentimentos envolvidos e ligados a ela são variáveis.
A pessoa tem envolvimento com sua própria fachada, tendo sentimentos com a ela. Da mesma maneira terá com a fachada de outros participantes do contato, de forma tão imediata e espontânea quanto faz com a sua. Os sentimentos podem ser de quantidade e direção diferentes.
As regras do grupo e a definição da situação determinam quantos sentimentos se terá pela fachada e como deverão ser distribuídos pelas fachadas envolvidas.
A pessoa pode ter, estar com ou manter a fachada. Isto vai depender da linha que ela assumir e dela apresentar uma imagem de si internamente consistente, sendo apoiada por juízos e evidências comunicadas por outros participantes e confirmada por evidências comunicadas por agências impessoais na situação.
A fachada é localizada difusamente no fluxo de eventos do encontro, tornando-se manifesta quando esses eventos são lidos e interpretados para alcance das avaliações expressas neles.
Um participante com atributos conhecidos ou visíveis pode esperar ser apoiado em uma fachada particular, reconhecendo ser apropriado que isso aconteça. Baseado em alguns atributos conhecidos receberá a responsabilidade de possuir outros atributos. Os coparticipantes não terão consciência do caráter de muitos desses até que seja depreciada sua posse. Nesse momento todos poderão tornar-se conscientes desses atributos e pressupor que ele deliberadamente deu uma falsa impressão de possuí-los.
Os participantes do encontro terão um conjunto de linhas abertas para escolherem, bem como de fachadas, a partir dos atributos e da natureza convencionalizada do encontro.
A preocupação com a fachada enfoca a atenção da pessoa na atividade em curso.
A manutenção da fachada na atividade depende do lugar da pessoa no mundo social.
A situação em curso e o mundo social mais amplo têm relação de interdependência.
A relação com a fachada tem interdependência com a temporalidade: passado, presente e futuro.
A pessoa teme perder a fachada atual devido a possibilidade dos outros não precisarem demonstrar consideração pelos seus sentimentos no futuro.
Um encontro com pessoas com as quais não terá interações futuras libera-a de assumir uma linha “altiva” que o futuro depreciará ou de sofrer humilhações que tornariam interações futuras com elas algo constrangedor para enfrentar.
A pessoa pode estar com a fachada errada. Isto ocorre quando é trazida alguma informação sobre seu valor social que não pode ser integrada com a linha que está sendo mantida para ela.
A pessoa pode estar fora da fachada. Isto ocorre quando ela participa de um contato sem uma linha pronta do tipo esperado para a situação.
A pessoa quando está com a fachada expressa sentimentos de confiança e de convicção, estando firme na linha que está assumindo.
A pessoa quando está com a fachada errada ou fora da fachada, provavelmente, sentirar-se envergonhada e infeliz devido ao que aconteceu com a atividade por sua causa e ao que poderá acontecer com sua reputação enquanto participante. Sente-se mal por sua expectativa de que o encontro apoiasse uma imagem do seu eu que estava emocionalmente ligada e que agora encontra-se ameaçada.
A pessoa quando está com a fachada errada ou fora da fachada percebe no encontro uma falta de apoio apreciativo. Isto pode momentaneamente incapacitá-la enquanto participante da interação devido aos sentimentos que terá e pode ficar com a fachada envergonhada.
A pessoa pode suprimir ou esconder qualquer tendência de ficar com a fachada envergonhada. A esta capacidade é empregado o termo aprumo.
As expressões seguintes significam:
- “perder a fachada” – está com a fachada errada, envergonhada ou fora da fachada.
- “salvar a fachada” – manutenção de uma impressão de que não perdeu a fachada.
- “dar fachada” – quando outra pessoa assume melhor a linha que não se foi capaz de assumir sozinha.
Quando se assume uma imagem do eu expressa através da fachada haverá expectativa de que a pessoa atue de acordo a fachada. Assim ela recebe uma fachada para manter e a responsabilidade pelo fluxo dos eventos para a consistência de sua fachada.
Existem controles expressivos da fachada:
- orgulho – por dever a si mesma
- honra – por dever a unidades sociais mais amplas, recebendo apoio delas.
- dignidade – se relaciona com posturas, com a forma pela qual lida com seu corpo, suas emoções, com as coisas que tem contato físico.
A regra social do respeito próprio e a da consideração combinam-se gerando um efeito de manutenção da fachada particular e a das dos outros pela pessoa.
Acontece um tipo de aceitação mútua de linhas que tem um efeito conservador e uma característica estruturante da interação.
Interação: a pessoa apresenta uma linha inicial → avaliação da situação →ela e as outras construirão respostas a partir dela. Se a pessoa altera a linha → descrédito → confusão nos participantes. Os participantes estão presos a pessoa que inicia.
A manutenção da fachada é uma condição da interação, não é seu objetivo.
“salvar a fachada” } a partir de uma orientação defensiva. Se dá por causa:
(Considerar que pode causas a perda da fachada dos outros.)
da ligação emocional com a imagem do eu expressa.
do seu orgulho ou honra.
do poder exercido sobre os outros.
“salvar a fachada dos outros” } a partir de uma orientação protetora. Se dá por causa:
(Considerar método que não gere a perda da sua fachada.)
da ligação emocional com a imagem deles expressa.
do direito moral de proteção atribuído aos coparticipantes.
da hostilidade que poderá receber se perceberem sua fachada.
Para manutenção da própria fachada, pode-se obrigar-se a ter consideração pala linha assumida pelos outros participantes.
“Preservação da fachada” serve para neutralizar eventos que possam ameaçar a fachada. São ações tomadas para tornar ou manter a fachada consistente.
Aprumo é um tipo de preservação da fachada a partir do controle do constrangimento.
Cada pessoa, subcultura e sociedade parecem ter seu próprio repertório característico de práticas para salvar a fachada. O uso deles está associado às interpretações que se pode ter sobre os atos dos envolvidos no encontro.
Existem três níveis de responsabilidade na ameaça à fachada dos outros por suas ações:
Ação inocente, intencional e involuntária.
Ação com malícia e despeito, intencionada em causar insulto.
Ação ofensiva incidental. Realiza apesar de suas conseqüências.
São três tipos de ameaça que podem ser introduzidos:
- Pelo próprio participante
contra sua fachada e a dos outros
- Pelos outros participantes
Tipos básicos de preservação da fachada:
1) Processo de evitação: evitar ameaças à sua fachada.
- Evitar contatos com probabilidade de ocorrência de ameaças.
- Manter-se longe de atividades inconsistentes com a linha adotada e mantida.
- Suprimir expressão de sentimentos até a descoberta de linhas que os outros estarão dispostos a apoiar para ela.
- Preparar um eu para si mesma que não seja depreciativo.
- Realizar ações para a preservação das fachadas dos outros e definição de situação em que seu respeito próprio não esteja ameaçado. Para isto emprega discrição, engodos, cortesias, ambigüidades cuidadosas, etc.
- Neutralizar atos potencialmente ofensivos, evitando sua ocorrência ou mantendo uma ficção de que nenhuma ameaça à fachada ocorreu. Ocorre neste caso uma não observância cuidadosa a seus próprios atos ou aos dos outros, uma cegueira diplomática.
- Esconder ou ocultar atividades frente à perda de controle das expressões durante um encontro.
2) Processo Corretivo
- Um evento incompatível com os juízos de valor social mantidos é definido como incidente.
- Quando os participantes não conseguem impedir o incidente tentarão corrigir os seus efeitos e restabelecer um estado ritual satisfatório.
- A extensão e a intensidade do esforço coletivo para restabelecer equilíbrio se adpata à persistência e à intensidade da ameaça.
- A fachada é sagrada, mantê-la é uma ordem ritual
- Intercâmbio ameaça a fachada → seqüência de atos em movimento
Corretivo ↓
Restabelecimento do equilíbrio ritual
Unidade concreta básica da atividade social.
- O intercâmbio compõe o processo corretivo, que é composto por quatro fases, caracterizadas por ações: 1. desvio 2. oferta 3. aceitação 4. agradecimento
Evento incidental → erro de conduta → participantes chamam atenção → impõem resolução do evento ameaçador.
Oferta para correção – do ato ofensivo ou de si mesmo.
- Neutralização: Mostrar que é um evento insignificante / um ato intencional / uma piada / um produto inevitável e “compreensível”.
- Atenuar: Mostrar sobre o criador. Que ele estava sob influência/que não era dono de si/ que estava seguindo ordens de outra pessoa/ que não agiu por vontade própria.
- Redefinição: Fornecer compensações aos feridos e punições, penitência e expiação para si/ sugerir ser pessoa renovada/ mostrar que não trata levianamente sentimentos dos outros/ mostrar que está preparado para assumir conseqüências.
Aceitação da oferta de correção → restabelecimento da ordem expressiva e das fachadas apoiadas por essa ordem.
Comunicação de gratidão para os que aceitaram e deram o perdão.
As fases do processo corretivo ofertam modelo do comportamento ritual interpessoal. Este ciclo corretivo é padrão, podendo ser modificado ou sofrendo desvios diversos.
As emoções têm um papel essencial nesses ciclos de respostas, funcionando como jogadas na lógica de um jogo ritual imprescindível para compreendê-las.
Ganhando pontos – o uso agressivo da preservação da fachada
Toda prática que consegue neutralizar uma ameaça particular para salvar fachada → possibilidade de que a ameaça seja introduzida posteriormente como o objetivo de ganhar algo, em segurança, através dela.
Quando uma pessoa trata a preservação da fachada como algo que ela sabe que os outros realizarão ou aceitarão, considerará um encontro como uma arena em que se realiza uma disputa ou partida. O propósito será ganhar pontos para si mesmo.
Malícia é definida como capacidade em realizar “esnobadas” e “afinetadas”. A primeira são pontos ganhos através da alusão a posições de classe social e a segunda à respeitabilidade moral.
Em intercâmbios agressivos o vencedor consegue apresentar informações favoráveis sobre si mesmo e desfavoráveis sobre os outros e demonstrar que, enquanto participante, cuida de si melhor que seus adversários.
A escolha da preservação da fachada apropriada
A pessoa com fachada ameaçada diante de um incidente pode tentar restaurar a ordem ritual através de uma estratégia diferente da prática desejada ou esperada pelos outros participantes.
Uma prática pode não ser empregada por falta de decisão do participante, deixando os outros sem saber que método terão que seguir.
Cooperação na preservação da fachada
Quando uma pessoa percebe que é incapaz de salvar sua própria fachada, os outros se dispõem a protegê-la. Surge uma cooperação tácita em que cada participante preocupa-se, por razões diferentes, em salvar a própria fachada e a dos outros para obtenção de seus objetivos em comum, conjuntamente.
Tipos de cooperação tácita:
- Diplomacia em relação à preservação da fachada: a pessoa defende sua própria fachada e protege a dos outros, e possibilita que os outros preservem às suas próprias e a dela.
- Autonegação recíproca: a pessoa se priva ou se deprecia enquanto favorece e elogia os outros. Os juízos favoráveis sobre si vêm dos outros e os desfavoráveis dela.
Os papéis rituais do eu
Os direitos e deveres de um participante da interação são projetados para impedi-lo de abusar de seu papel de objeto de valor sagrado. Ele pode perdoar participantes por afrontas a sua imagem, não aceitá-las e permitir maus-tratos cometidos por si.
Interação falada
Tendência humana de usar sinais e símbolos.
Não existem ocasiões de fala sem a possibilidade do surgimento de impressões inapropriadas e sem exigência da demonstração de uma preocupação séria de como participante lida consigo e com os outros.
A interação falada, em qualquer sociedade, tem orientação e organização do fluxo de mensagens a partir de um sistema de práticas, convenções e regras de procedimentos. Estes funcionam como guias da ação, tendo relação funcional entre a estrutura do eu e a estrutura da interação falada.
Um conjunto de gestos significativos imputa legitimidade aos participantes. Dá-se um processo de ratificação recíproca.
Estado de fala é quando pessoas ratificadas declaram-se oficialmente abertas umas às outras para propósitos de comunicação falada e juntas garantem manter um fluxo de palavras.
Tendência a manter e legitimar um único foco de pensamento e atenção visual, e um único fluxo de fala, como sendo oficialmente representativo do encontro.
A relação entre o eu e a interação falada também é demonstrada no intercâmbio ritual.
Em encontro conversacional a interação tende a ocorrer em arrancos, um intercâmbio por vez e o fluxo de informações e negócios é parcelado nessas unidades rituais relativamente fechadas.
A pausa entre intercâmbios tende ser maior do que a pausa entre falas num intercâmbio.
Entre dois intercâmbios tende haver uma relação menos significativo de que entre duas falas em seqüência num intercâmbio.
De modo geral uma pessoa determina como deve se comportar durante uma ocasião de conversa testando o significado potencialmente simbólico de seus atos em relação às imagens mantidas do outro.
Atos pessoais imagens do outro
significado simbólico comportamento pessoal
Dessa maneira seu comportamento pessoal se sujeita à ordem expressiva que contribui para o fluxo bem ordenado de mensagens.
É bom que a interação falada tenha a organização convencional que tem para que o fluxo bem ordenado de mensagens faladas seja mantido.
Não afirma que o sistema atual não tenha fraquezas ou desvantagens.
O medo da perda da fachada impede o inicio de contatos em que informações podem ser transmitidas e relações estabelecidas. Pode-se buscar a segurança da solução em vez do perigo dos encontros sociais.
Fachada e relações sociais
Em relações em processo de mudança, o encontro será levado a um desfecho satisfatório sem alteração do curso do desenvolvimento esperado.
Relação social = forma pela qual a pessoa é forçada a confiar sua auto imagem e fachada à diplomacia e boa conduta dos outros.
A natureza da ordem ritual
A ordem ritual parece ser organizada basicamente sobre linhas de acomodação.
Independente da posição social, a pessoa faz um “ajuste” ao se convencer, com o apoio diplomático de seu círculo íntimo de que ela é o que quer ser e que ela não faria, para atingir seus objetivos, o que os outros fizeram para atingir os deles.
A pessoa precisa tomar cuidado com os juízos expressos aos quais ela se coloca numa posição de testemunhar para proteger seu conforto.
A vida social é ordenada.
A pessoa protege, defende e investe seus sentimentos numa idéia de si e idéias não são vulneráveis a fatos e a coisas, mas sim a comunicações.
A natureza humana universal não é coisa muito humana. Regras morais carimbadas na pessoa externamente a tornam uma espécie de construto.
A natureza humana não surge a partir de propensões psíquicas internas.
As sociedades para serem-se, em qualquer lugar, precisam mobilizar seus membros como participantes autoreguladores em encontros sociais. A capacidade geral de ser limitado por regras morais pode pertencer ao indivíduo, mas o conjunto particular de regras que o transforma num ser humano é derivado de requerimentos estabelecidos.